20 janeiro 2006

Tiro o chapéu para Carlos Cardoso

A grande notícia do dia é a condenação de Anibalzinho, acusado de ter comandado a morte do jornalista moçambicano Carlos Cardoso em 2000. Anibalzinho foi condenado a 29 anos, 11 meses e 25 dias de prisão. Depois de cumprida a pena, deverá ser expulso para Portugal.

Após 5 anos de um processo que rendeu muito debate, a notícia é comemorada por todos. Claro está que os verdadeiros mandantes do crime sairam ilesos – existem mil e uma teorias, umas bem conspiratórias, outras nem tanto. De qualquer forma, comemora-se porque Cardoso significou muito para Moçambique. Desde quando cheguei que venho lendo sobre ele, e confesso que muito me impressionou.

Considerado uma das figuras mais honestas e engajadas no debate político, econômico e social do país, Cardoso entendia a mídia como elemento transformador da sociedade. Fazia parte da elite branca-portuguesa Moçambicana, mas nadou contra a corrente do que se espera da classe. Da universidade, na África do Sul, acompanhou com paixão os movimentos contra o Apartheid e o surgimento do FRELIMO, e traduziu para o inglês os discursos de Samora Machel, num contexto onde isso era inimaginável (especialmente vindo de um branco). Era um marxista de carteirinha, mas de forma muito consciente e, portanto, contra uma importação de conceito sem propósito. Lutava por um socialismo africano autêntico que não se resumisse na luta de classes, mas que levasse em conta peculiaridades locais.

“Em poucos meses o nome de Samora Machel estava sendo pintado nos muros, nos trens de Soweto, em todos os cantos. De repente, o establishment branco, normalmente mais preocupado intelectualmente com eventos na Europa Ocidental e nos EUA, percebeu que se tratava da África. De um dia para o outro, a esquerda branca deixou de lado suas leituras de Marx e Gramsci e passou a ler vorazmente textos de Amílcar Cabral e Samora Machel” (Cardoso, livro linkado acima, p.24).


Após a independência, Cardoso passou a ser conhecido como um jornalista bem inconveniente. Era Frelimista por convicção, mas nem por isso fazia vista grossa para o que vinha do lado de cá do Partido. Também não ignorava as reivindicações da oposição. O Mediafax, um dos jornais liderados por ele, foi o primeiro a dar a palavra à Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) na época das negociações de paz. Até então, eles nunca tinham sido entrevistados pe
la mídia moçambicana.

Cardoso brigou pela liberdade de imprensa e pela forma como a verdade deveria ser trazida à tona, custe o que custar. Durante os 16 anos de guerra civil, quando as maiores atrocidades açoitaram o país, a mídia descrevia uma situação que não existia: a guerra simplesmente não era tratada. Ditadura de silêncio do Governo. Mas ser marionete ia completamente contra o que Cardoso entendia como jornalismo. Para ele, era preciso fazer da informação munição para a sociedade. Isso pode parecer óbvio na teoria, mas difícil é ver quem põe a cara a tapas desta forma, provocando arrepios nos figurões do governo e da elite. Sua insolência lhe rendeu diferentes ameaças, além de uma prisão.

Homenagem a Cardoso (na minha rua)

Cardoso era, sem dúvida, um utópico de marca maior. Mas acho que o mais interessante é que utópicos são legais, mas utópicos que provocam mudanças REAIS – ah! isso é difícil. Agindo assim, ele não foi somente um jornalista, mas uma pessoa que lutou pela democracia e justiça em Moçambique, sem ter medo de enfrentar quem tentava esconder verdade. De tirar o chapéu.

2 comentários:

Anônimo disse...

Obrigada Clarisse pela história que vc nos conta daí de dentro dessa história. Não sei se adianta muito lembrar a história que se estudou (estudaria) na escola. Vale a história que se transmite.
Tiremos o chapéu!
Bjs, Heloisa.

opiniática disse...

oi lindinha estou adorando ler os teus textos!!

Continue me mantendo informada.

bjs

gabi