No longo trânsito de volta pra casa, tento fazer do não-espaço que são todos os aeroportos do mundo um lugar mais interessante. Tarefa praticamente impossível. Mas hoje nem vi a hora passar lendo um discurso que Leonardo Boff fez em Madrid em 2000, chamado "Ética mundial: um consendo mínimo entre os humanos". Palavras de um peso tão forte e de uma simplicidade tão linda. A partir de uma breve menção às atrocidades que encaramos e produzimos diariamente, ele fala do que é necessário para gerar justiça social. Para Boff, mudar o mundo só seria possível a partir da ética do cuidado, da responsabilidade, da solidariedade e da compaixão. Eu nunca tinha pensado tão claramente sobre uma ética do cuidado... Eu na verdade mal paro para pensar no que é cuidar. Segundo ele, quem sente cuidado reproduz a vida, cria condições para criar, para pensar, para o ato de liberdade. O cuidado é uma relação amorosa com a realidade, é a relação de se sentir envolto com a realidade, e se opõe à lei mais dura do universo que é a lei da entropia, dos desgates naturais até a consumação total da realidade.
Ao contrário de cuidar, no entanto, ao contrário de algo que é tão humano, o que temos feito é reproduzir injustiças e mundos paralelos. Desbundamos, aproveitamos e nos gabamos da riqueza, do poder de conectividade, consumo, cultura, turismo e milhões de possibilidades que são colocadas para nós. Nós que somos menos, muito menos do que metade da população do mundo. E na casa ao lado, o mundo paralelo nos assusta. Um mundo que está nos jornais, nos filmes sobre violência urbana, nos olhos das crianças que limpam os vidros dos nossos carros quando paramos no sinal. Não sentimos este outro mundo de perto, tampouco distante. Não o sentimos. Nos assustamos, mas não o sentimos plenamente. Dois terços da humanidade vivem sob a pressão da sobrevivência diária, resultado direto da riqueza excessiva que usufruimos. O outro lado da nossa moeda. Um mundo que não existe sem o outro. Mundos opostos mas dependentes. E, ainda assim, não o sentimos. Será que um dia voltaremos a cuidar? Será que ainda sabemos como fazer?
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