O que mais existe aqui em Moçambique são programas e projetos relacionados à HIV/AIDS. E mesmo os projetos que não são diretamente ligados à AIDS passam a ter o tema como assunto transversal obrigatório.
Há campanhas espalhadas por todo canto. Muitas focadas no uso da camisinha, outras em fidelidade, outras em como viver com o vírus de forma saudável, outras em preconceito. Tem também campanhas que abordam a vulnerabilidade dos que ficam quando os chefes de família morrem. Mulheres que driblam a discriminação e desrespeito para darem conta dos filhos (geralmente muitos) e da família do marido. Avós que, apesar da idade avançada, passam a ser responsáveis pelos muitos netos e pelos filhos doentes (enquanto ainda estão vivos). Crianças que se tornam mais suscetíveis à violência, discriminação, desnutrição, desistência nas escolas, doenças.
Atualmente existem 91 mil crianças vivendo com HIV/AIDS em Moçambique. 23 mil morreram em 2005, mesmo ano em que 35 mil contraíram o vírus.
O número de jovens também assusta. Só em Maputo, 129.000 jovens entre 15 e 19 anos têm AIDS. E... para ficar ainda mais sinistro: 20% da população entre 15 e 49 anos está infectada. 20%, minha gente. 20% da capital de Moçambique tem AIDS.
Aí, com isso tudo, com tantos números passando pela minha frente todos os dias, eu tento humanizar. Por exemplo, diariamente pego chapas para ir para o escritório. São lotações com um máximo de 15 pessoas. Ou seja, pelo menos 3 pessoas ali dentro tem o vírus. Fico pensando “que loucura, três pessoas e somos tão poucos aqui... 3 entre um grupinho de 15 é uma multidão”. No escritório, onde somos diariamente 14, a mesma coisa.
A sensação de estar sempre encarando de frente a doença, sendo um potencial portador ou mesmo transmissor. E isso, definitivamente, muda a forma como a gente encara a vida.
Em Dezembro fizemos uma manhã de discussão sobre o tema aqui no escritório. Foi muito interessante perceber como cada um tenta driblar seus preconceitos e aceitar os que estão ao redor. Mas driblar seus próprios preconceitos não é tarefa fácil para ninguém. Estes existem, e muitos, mesmo quando a gente faz de conta que não. E este é, na minha opinião, o grande monstro por detrás do HIV/AIDS. O preconceito, a desinformação e o consequente desrespeito que existe não só entre pessoas, mas principalmente entre nações e povos.
O "entre pessoas" tem um impacto direto em prevenção, transmissão, conscientização sobre uma vida positiva, etc.
O "entre nações", no entanto, tem um impacto catastrófico que implica em políticas globais, regionais e locais. Implica em prioridades, metas, recursos. E implica, acima de tudo, em boa-vontade política... e sinceramente, acho que that is all it is about.
2 comentários:
Vou te dizer a verdade, e aí entra o meu próprio preconceito, contra o qual eu tenho que lutar: Quando vc me falou que ia para Moçambique meu maior medo não foi de nada, mas de quel você namorasse um moçambicano e acabasse contraindo o virus. Na minha cabeça, namorar um africano significa ter contato com a AIDS e contraí-la consequentemente.
Preconceituoso? COm certeza.
Mas é muito difícil pensar diferente.
É fácil lidar com a AIDS em inívíduos, como vc disse, que é uma coisa próxima. Mas pensar em nações em que boa parte da população está doente é apavorante.
Quem sabe com o tempo a gente supera isso?
Outra coisa: outro dia saiu no jornal que estão descobrindo que iogurte bloqueia o virus da AIDS, pode?
Numeros realmentes assustadores... fiquei lembrando do cunhado do Beto que morreu de aids. Tive algum tempo de convivencia com ele, e para mim ele ia se desmilinguando a cada dia, era horrivel, uma sensacao de impotencia, nossa e dele. E no fim o que todos acham melhor era que ele realmente morresse, pois sofria mais vivo.
Fico pensando isso numa populacao, em larga escala, em que familias devem achar que eh melhor seus parentes partirem... Em que criancas nao devem suportar verem seus pais neste estado e devem suportar menos ainda a ideia de ficarem sem eles.
Inenarravel pra mim, impossivel nomear o sentimento que me atordoa quando penso ou leio sobre isso.
Postar um comentário