22 março 2006

A Odisséia

Eu tenho que admitir que ontem tive um dos dias mais divertidos e bizarros dos últimos tempos. Eu precisava ir à cidade de Xai-Xai para uma reunião, e tive a idéia (obviamente de jerico) de ir e voltar de machimbombo (ônibus). Bem, acordei cedo pra burro e peguei um machimbombo às 6.30 da matina. Meio capenga, mas tudo bem. Foram 4 horas de viagem nas quais eu bati cabeça intercalando o braço de apoio cada vez que um adormecia. A reunião durou míseros 30 minutos. O próximo machimbombo seria apenas às 3 da tarde, então decidi voltar de chapa mesmo. As chapas, já mencionei por aqui, são vans tipo lotação. Eu evito tomar chapa entre municípios, porque os gajos correm muito e sempre tem vários acidentes. A última vez que tomei, entre Bilene e Maputo, perdi uns 2 anos de vida vendo o motorista bater cabeça ao mesmo tempo em que batia um pega com outras chapas. E chovia. Ou seja, totalmente desnecessário. Mas, voltando a Xai-Xai, como estava quente pra burro e eu totalmente sozinha, resolvi pegar uma chapa mesmo.

Entrei numa que estava praticamente vazia e pensei, com uma ingenuidade que só eu mesmo, “que beleza, vou na chapa cheia de espaço, sentada perto da janela pegando um arzinho, de quebra tiro um cochilo e, do jeito que eles correm, ainda chego lá antes das 3”. Pensei com felicidade e me senti malandra, até que a chapa para num pátio de chapas. Algumas pessoas da minha chapa foram preencher os espaços da chapa que estava pra sair. Eles jamais saem sem estar com a dita cuja abarrotada, um em cima do outro, todo mundo brigando por um arzinho que seja. Ficamos apenas eu, duas pessoas e um bebê. Gelei por dentro. Teríamos que esperar até a chapa encher.

Arranjei um lugar na sombra e de lá fiquei a ver gente. Assim se passaram 2 horas. Lá pelas tantas entrou um rapaz bonito que só mas bêbado que nem gambá. Sentou do meu lado e começou a tentar falar inglês. Senti logo o tamanho do problema e mudei de banco. A chapa finalmente encheu e saímos para Maputo. Aos poucos, foi acontecendo a coisa mais fantástica – todos da chapa se entrosando, piadas, conversas e tudo mais. A volta fez a odisséia do dia ainda mais fantástica. Paramos logo depois do pedágio pois uma mulher resolveu que não queria mais vir a Maputo. Tudo mundo ficou puto pois teríamos que esperar alguém pro lugar dela, mas ela nem pediu o dinheiro de volta. Então foi fácil convencer o motorista. Depois paramos mais 2 vezes pois o bêbado queria fazer xixi. Saí o bêbado e todo mundo junto. Mulheres prum lado, homens pro outro, eu ajudando uma das miudinhas a agachar e fazer xixi sem molhar os pés. Éramos 18 na chapa, mais 4 miúdos de colo e o motorista. Das conversas em changana eu captava coisa ou outra. Paramos mais uma vez para comprar bananas e refrescos. O bêbado, que nessa altura já tinha me pedido em casamento para alegria e risada de todos, me deu de presente um cacho de bananas. E pôs a me chamar de mãe/mamá, que é como os maridos chamam as esposas. Queria que eu descascasse uma banana pra ele, que é coisa que mulher tem que fazer. Eu me recusando firme e forte. Me fez distribuir bananas para as crianças, e assim tentava me convencer de como me faria feliz. Eu, no meu changana arrevesado, tentava soltar um “já sou casada” (ni tshatiwanga), mas ninguém entendeu e foi aí que eu percebi como aprender um dialeto não faz a menor diferença. Neste país são tanto dialetos juntos, um se misturando com o outro... é uma ilusão mesmo achar que um dia serei capaz de me comunicar plenamente. Quando meu “obrigado” foi dito em “kanimanbo”, o bêbado-suposto marido me disse que de jeito nenhum. Dialeto foi a vida inteira, agora tava na hora de viver em inglês, ou pelo menos em português bonito. Eu desatei a rir. Eu me esforçando pra aprender o tal do dialeto e eles correndo pra longe! Ele dizia que se casasse comigo poderia ter carro, que branco anda de carro. As mulheres riam e diziam “mas se ela tá aqui na chapa, essa gaja não é rica, não”. E ele falava que meus pais poderiam ser, mas que isso não importava. Casando com branca a vida dele mudaria mesmo assim.

No meio disso tudo - crianças chorando e rindo e brincando; changana misturado com ronga; latas de refrescos e cascas de banana que voavam pela janela - eu ia pensando como a gente (ou melhor, eu) trata estas questões como politicamente correto x incorreto com muita assepsia, deixando de perceber a realidade. No final das contas, o dia de ontem foi uma desaprendizagem fascinante. Cheguei em casa quase 8 da noite, exausta mas sorrindo. Não tem nada como passar um dia com gente.

Um comentário:

Aichego disse...

Já eu nao sei se gosto tanto assim de gente.
Mas da história, achei a maior graça.