28 julho 2006



Faz frio. Muito mais do que eu poderia imaginar. Só não neva aqui porque é mesmo muito desértico. Eu ainda não coloquei um termômetro na casa que é pra não me apavorar e sentir ainda mais frio. Mas durante o dia tem sol em toda a cidade, muito sol. Os painéis para produzir energia solar pipocam aqui e ali. Planejamos ter um forno e um aquecedor para a casa mas, por ora, é tudo elétrico mesmo. Semana passada cheguei a conclusão de que se não comprasse um aquecedor para o escritório, congelaria na frente do computador, os dedos na tentativa falida de teclar o resto de uma frase. Como odeio frio, tenho tentado lidar da melhor forma possível com a incongruente idéia de estar com meias de lã cozinhando com energia solar.

******

O jardineiro vem quando melhor lhe convém, tentamos marcar um dia fixo na semana mas não funcionou. Chama-se Erastus e, para contradizer a regra do post abaixo, não fala português. Chega e me pede um tipo específico de chá com leite e açúcar, e eu repetindo a cena matutina de minha mãe (“Antonio, ó o café”). Fora os pés de limão, tangerina e as hortas com alecrim, manjericão, etc, temos também diversas espécies de climas secos, alguns bem espinhosos, outros se espalhando rente ao chão com lindas flores. Cobrindo parte de uma parede tem um jasmim lindo que está começando a florir.

em breve, lindos jasmins

******

Os vizinhos tem vindo aos poucos se apresentar. Fico sempre na dúvida se eu é quem devia ir oferecer bolo com café, ou se eles é que devem vir e estabelecer algum tipo de relação. Um dos vizinhos adentrou a casa no dia em que estávamos fazendo uma festinha com alguns amigos, demorou um tempo até entendermos que ele não era amigo de ninguém, era o vizinho que aproveitou o portão aberto. Se apresentou, tomou um suco e numa rápida conversa pude ver os livros que carregava, acho que vinha de algum curso sobre liderança com abordagem religiosa. Depois voltou para apresentar a filha, uma estudante de medicina de 19 anos.

Apesar da casa ter cerca elétrica, alarme e uma empresa de segurança que apareceria num minuto caso eu apertasse o panicking buttom (sim, ele existe), a grade ao redor deixa tudo bem aberto, eu passo horas no escritório olhando pela janela o que acontece na rua e nas casas vizinhas. Grupos de crianças vindo ou indo para escola e eu ouvindo os cliques de suas línguas, impossível entender o que falam. Um dia um menino veio me perguntar se eu sabia onde morava um tal de Raymo, e então percebi que preciso me esforçar mais para entender quem mora ao redor. Nos fundos da nossa casa tem uma casa menor, que aqui chamam de flat. É muito comum ver casas com flats porque os terrenos são grandes então quase todo mundo constrói uma casa com um quarto nos fundos e aluga para outras pessoas. No flat da nossa casa mora um rapaz que é cineasta.

******

Um braai (como se diz churrasco aqui) que fizemos em casa com a galera do
BEN Namibia


******

Nossa casa fica em Windhoek North, um bairro tipo classe média bem misturado, mas com maioria negra ou de origem Sam (são mais pardos). Windhoek West também é bem misturado, bairros com casas mais abertas e uma vida comunitária mais ativa. Windhoek Klein e Eros Park são os bairros mais alemães e ricos. Grandes mansões com jardins onde caberiam pelo menos 3 casas, tudo fechado com guaritas nas portas. Olympia, se não me engano, também é bem alemão, mas mais simples. Pionierspark é o bairro africâner. Ainda não me aventurei por lá, portanto não sei. Northern Industrial e Southern Industrial são espaços com grandes armazéns. Nosso escritório/armazém fica no sul, há uns 6 ou 7 kms de casa. Já fui e voltei algumas vezes de bicicleta, mas ainda sofro bastante com as grandes vias que cortam a cidade e que não são nem um pouco amigáveis com os ciclistas. Desço da bicicleta a cada sinal, atravesso andando mesmo. Se alguém me acompanhasse do começo ao fim nos meus trajetos viria que passo metade do tempo andando, outra metade pedalando. Um pouco ridículo, admito, mas não quero de novo voar num carro.

Os bairros negros são ao norte de Windhoek, em Katutura. Segundo meu guia, katutura é uma palavra em Herero (uma das línguas locais) que significa “nós não temos habitação”. Já ouvi outras definições, como a que em Owambo quer dizer “o lugar para onde não queremos ir”. Em 1959, como resultado das leis do apartheid que foram implementadas na Namíbia pela África do Sul (desde 1948), os negros que moravam em Windhoek foram obrigados a se mudar para Katutura, gerando diversos protestos. No dia 10 de dezembro, tido como o dia do massacre de Sharpeville, 13 pessoas morreram e mais de 60 ficaram feridas em confrontos com a polícia. Pois bem, Katutura foi dividida em seções para os diferentes grupos (Herero, Owambo, etc) por finalidades administrativas e políticas (de enfraquecimento dos grupos oprimidos, claro), e dizem que até hoje a divisão é bem clara. Passando por lá dá pra observar como hoje se transformou numa região heterogênea. Casas grandes e chiques, casebres, casas de placa de metal, lojinhas, carros modernos com música nas alturas e jovens pisando fundo no acelerador, crianças brincando na rua. É bem diferente das regiões mais pobres na periferia urbana de Maputo.

Aliás, Windhoek é bem diferente de Maputo neste sentido. Por mais que aqui na Namíbia a disparidade econômica seja a maior do mundo, as regiões urbanas mais pobres são relativamente “organizadas”, digamos assim. Não vi até hoje gente morando nas ruas, ou muitos pedintes. Os serviços públicos são horripilantes (é inimaginável ir parar num hospital público aqui), mas sem sombra de dúvida a prefeitura faz um belo esforço para manter a cidade bonita. Coisa pra inglês ver mesmo.

Em Windhoek, se está muito longe daquela pobreza que dói de ver. Precisa sair para as vilas para se entender a disparidade econômica. Mas acima de tudo, precisa entender que o que mais afeta este País é o alto índice de prevalência de HIV/AIDS. 23% na média nacional, e um chocante 43% em Caprivi, região ao norte.

******

Eu e minha linda bicicleta no Daan Viljoen, reserva de animais que fica a 20 kms de Windhoek. Ao fundo, baboons atacando os restos do nosso braai.






2 comentários:

Anônimo disse...

Além de outras inúmeras qualidades ... mas vc é chique hein? Mesmo com uma roupa comum! E que casinha linda!!!
Nem preciso lhe desejar felicidades não é mesmo?
Bjim de sua prima Liv

Anônimo disse...

Clara Clarisse: vim parar aqui por indicação do blog da Lucia Malla, a quem também não conheço, acabei lá por indicação de outro blog, um puxa o outro.
Você escreve muito bem! Fiquei deliciado com as suas histórias, eu sempre fui curioso sobre a África, continente do qual nem na escola a gente aprende muito. Aliás, por um de seus posts vi que você tem a idade da minha filha Clara (a mais velha dos três filhos que tenho, os outros são dois rapazes)...
De forma que estarei por aqui de vez em quando, para ver as suas histórias...
Um abraço,
Wilson Cavalcanti / São José dos Campos, SP
Email: wcavuca@terra.com.br