10 julho 2007

Ah, a realidade

Um dia eu disse assim, “Eu não estou na “África”, estou na Namíbia e portanto ponha o pé no chão e encara a realidade”, e o Paulo me disse que não entendeu isso, não. Então eu explico agora.

Ontem, após várias idas e vindas, e uma total falta de humor para a tarefa, abri minha primeira conta em banco neste continente. Tive que ouvir ironia de dois gerentes por não ser oficialmente casada (mas ah! Serei em algumas semanas seus calhordas). Como eu precisava de algo que comprovasse que eu e o Michael moramos juntos, apresentei um documento ridículo que tivemos que emitir junto à polícia, há um ano, dizendo que estamos numa “de-facto relationship”. Merece ser emoldurado de tão ridículo. Isso foi para poder ter plano de saúde juntos. Agora tive que de novo apresentar o papelucho e ouvir ironiazinha barata. E ainda ter que explicar porque eu não uso aliança—o que, segundo o gerente, dá liberdade para qualquer homem me abordar!!—e porque não mudei de nome. Carácolis, vou te contar. Lembrei imediatamente do tal diálogo com o Paulo... é, encara a realidade querida. Nada mais de “ah, estou na África”. Encara o dia-a-dia e re-nomeia a experiência.

Quando a gente muda de país, fica um tempo no limbo. Uma sensação sou e não sou turista, levando tudo na flauta. A adaptação é sempre um pouquinho cansativa, mas há espaço de sobra para dar uma relaxada. Há desculpa de sobra para tal. A burocracia só é enfrentada quando extremamente necessária. Em Londres foi assim, tive que encarar alguns procedimentos londrinos porque tinha dinheiro de bolsa envolvido, tinha chatice de visto, coisa e loisa. Mas fora isso, continuei na vida transitória. Em Moçambique burlei tudo o quanto pude. Só quando saí de lá para Namíbia descobri que meu visto já tinha expirado e eu estava ilegal por mais de 1 mês. Tinha pavor de abrir conta em banco novamente (Londres me deixou para sempre traumatizada). Guardava dinheiro de baixo de colchão e em outros esconderijos estapafúrdios. Sempre esquecia onde a bufunfa estava, então criei um sisteminha de anotar em códigos. A parte que ficava enfiada num cobertor azul no fundo do armário era denominada “David Lynch”. Outra parte atrás do espelho eu chamava de “Alice”. Outra dentro de um dicionário amarelo era chamado “Seleção”. A vida de forma simplificada e metaforizada. Ainda segui esta prática aqui em Windhoek, até o momento em que não deu mais.

A realidade me chamou na chincha. O trabalho, o bebê, o pai do bebê, o governo, o seguro social, todos me exigem conta em banco. Me olham nos olhos e me mandam deixar de lado a fantasia da viajante temporária transitória metafórica e... preguiçosa. E é isso que significa dizer “eu não estou na África, estou na realidade do dia-a-dia”. Porque essa coisa de chamar onde eu moro de África, faz da vida uma experiência exótica, não traduzível para o cotidiano. A gente não fala “minha vida na América Latina” quando discute se é ou não empregado com carteira assinada. E quando a gente fala “vou pra Europa”, se refere a uma Europa de museus e trens e vinhos e encontros com outros viajantes. Parou por aí. Pois aqui é o mesmo. Eu deixei de estar na “África” para estar na Namíbia, lidando com o que há de bom e de ruim, mas que é único da vida aqui. Do cotidiano. Da realidade. Nada mais daquele eterno mochilão. Nada mais daquele limbo gostoso. Nada mais de comprar cestas e panos e girafas a cada viagem. Já tenho na agenda de telefones o encanador, o eletricista, o carpinteiro. Já tenho gerente em banco. Já sei a cara do marcador da água. Já tenho de novo pasta de contas e demais papéis catalogados.

Afinal, após quase 3 anos de limbo, a vida voltou a ser como era no Brasil, antes de Londres. É um bom re-começo, mas que dá uma preguiça danada, ah isso dá.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cla, faz um tempo não vinha aqui. E foi bom demais voltar na "sua casa" e saber que sim, ela fica na Namíbia. Que bacana tudo que você conta!! Dá para sentir e "compartilhar" tanto da sua experiência nas suas palavras que, sei lá, parece que somos vizinhos mesmo eu aqui no Jd. Botânico.

beijão!!
Bruno L.